Memórias
que merecem ser preservadas
Recordações
do passado de uma Caipira
luzense
que foi assistir à final da Copa de 50
Ano
de 1950. Meus irmãos, o Dico e o Simundo, ouviam, pelo rádio,
a atuação do Brasil na Copa do Mundo. Estava muito bem!
E seria o campeão, com certeza. Então, resolvemos os
três ir ao Rio de Janeiro para assistirmos ao jogo da final:
Brasil x Uruguai.
Saímos
de Luz o Simundo, o Dico e eu. Era sexta-feira e o jogo seria no
domingo. Em Lagoa da Prata, pegamos o trem até Belo Horizonte.
Fomos nos hospedar no Hotel Londres, na Av. Santos Dummont. Lá,
Simundo e Dico encontraram um luzense que se chamava Carmo e que era
motorista de taxi (se não me engano, era filho do Jefferson
Botinha).
No
sábado, saímos de BH bem cedo, no carro do Carmo, rumo
ao Rio de Janeiro: a estrada de terra, poeirenta. Eu vesti meu guarda
pó, uma peça que, na época, toda pessoa tinha
para se proteger da poeira. Em Barbacena, me lembro bem, fazia mais
frio do que ao amanhecer, em Belo Horizonte. Durante a viagem,
torcíamos para não cruzarmos com outros veículos
no caminho, pois, quando acontecia, tínhamos que parar a
viagem por conta da poeira que subia, atrapalhando a visão do
motorista.
Enfim,
passamos de Juiz de Fora e, depois, de Petrópolis. Que coisa
maravilhosa: dali em diante, a estrada era asfaltada até o
Rio! Chegamos bem tarde, já anoitecendo, e fomos procurar
hotel. Com muito custo, após ter batido em várias
portas, duas paulistanas deixaram que eu ficasse no quarto com elas.
Eram duas moças que, para mim, naquele tempo, tratavam-se de
duas “beatas”. Deviam ter 30 anos, mais ou menos. Simundo, Dico e
Carmo foram para outro hotel. Mais tarde, foram assistir a um
programa da Derci Gonçalves, da Baby Consuelo e de outras
personalidades. Não me levaram: para meus irmãos, o
programa era impróprio para mim, porque as artistas dançavam
quase nuas e, naquele tempo, ainda não existia biquíni...
No
domingo de manhã, os rapazes me buscaram no meu hotel. Eu
havia me preparado para o jogo: estava bem arrumada, com meu vestido
de renda branca, muito chique! Fomos para o Maracanã. Lá,
compramos os ingressos dos cambistas. Por cada um, pagamos o preço
de uma diária no Hotel Londres. Depois, ficamos em volta do
estádio, comendo docinhos e pipocas, até a hora do
jogo, que começou às 16horas.
Eu
me encantei! As pessoas do outro lado da arquibancada estavam tão
distantes que se moviam como num formigueiro. As mulheres de calça
comprida, e eu com meu vestidinho branco de renda, próprio
para uma festa! E a ocasião tinha para mim o caráter de
uma festa de luxo, no Rio de Janeiro. Sobre o Maracanã, voava
um aeroplano com uma longa faixa de propaganda de “Superflit”, um
inseticida vendido na época. Passou também um avião,
que lançou uma almofada grande com a bandeira do Brasil de um
lado e, do outro, a bandeira do Uruguai. Postada no meio do campo,
uma orquestra tocou os hinos nacionais dos dois países.
Enfim,
começou o jogo. A torcida gritava “Ademiiiir!, Ademiiiir!”.
Houve um grito de gol do Brasil, marcado pelo Friaça. Mas, de
repente, o Maracanã se calou: o Uruguai fez um gol e, depois,
mais um. Depois, todos gritavam, xingando o Barbosa, goleiro
brasileiro, e também o zagueiro Bigode.
O
jogo acabou. O Uruguai foi campeão. Eu queria muito ver a Taça
Jules Rimet, mas, como no meio de uma boiada estourada, fomos sendo
empurrados para fora do estádio. Na rampa de saída,
meus pés saíram do chão! Pegada ao braço
de meu irmão, espremida entre torcedores furiosos, fui levada
por todo o percurso sem nem tocar os pés no chão.
Livres, procuramos um restaurante para almoçar, ou melhor,
jantar. Fomos em vários lugares, até que entramos numa
fila e, somente às nove da noite, nos sentamos à mesa
para a refeição. Comemos arroz com ovo: era o que
tinha.
Hoje,
penso que o Brasil não estava preparado para aquele evento...
Dra.
Inésia Araújo Couto
Médica
Luzense às vésperas dos 90 anos. Inteligência
brilhante, na ativa, atende seus pacientes no
Ed.
Joaquim de Paula, Rua Carijós, nº424 - Praça 7,
Centro de Belo Horizonte/MG.
Legenda
Foto: Dra.
Inésia acompanhada da sogra do seu irmão Simundo,
em
foto tirada às vésperas da viagem para o Rio de
Janeiro, no Parque Municipal
Matéria
publicada no Jornal de Luz
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